Monday, June 19, 2006

Paris, carrefour de Civilizações

É ainda cedo. Tomo meu café diante do computador enquanto leio as notícias do dia. Da rua, pela janela, entra o burburinho das pessoas que chegam ao supermercado do bairro no dia de sábado. Me levanto e termino de me arrumar. É primavera, dia de sol. A temperatura é agradável, não faz calor e dá para vestir uma camisa de manga curta. Verifico se levo tudo que necessito comigo. Do inverno a única coisa que sinto falta são os bolsos! Saio. Fecho a porta do apartamento, desço pelas escadas até chegar no andar de mosaico de pastilhas, me dirijo ao hall, abro a porta que dá para a rua e viro à direita. Sigo caminhando pela calçada, atravesso uma avenida não muito larga, arborizada. Senhoras idosas vestidas de forma bastante clássica, tão tradicional quanto tradicionais são estas nesse bairro, atravessam a rua misturando-se no caminho com os pintores e e pedreiros marroquinos que saem para um café e um cigarro. As árvores deixam entrever por dentre sua folhagem um céu azul, azul, azul. Mais à direita, do outro lado do da abóboda celeste, umas poucas núvens esparsas, espalhadas em fiapos finos como se um pintor tivesse apenas corrido o pincel com tinta branca, uma vez, e vigorosamente, sobre a toalha azul. Entendo hoje o céu que sempre me fascinou nas pinturas européias. Retomo o passo, calmamente begônias me olham por cima das antigas cercas, com suas hastes negras e bem-pintadas que contornam os prédios à cada esquina do arrondissement. Respiro fundo e continuo pela mesma calçada até onde essa termina num misto de cimento, areia fina e pequeno cascalho. Entro pela área de terra batida, sinto o chão granuloso e seco sob a sola do meu calçado e uma poeira fina no ar. As begônias agora cederam espaço para para as castanheiras e os plátanos, vários tons de verde que se perfilam ao redor do gramado mais adiante. No ar, as tílias deixam um aroma adocicado.

Caminho entre as árvores em direção ao largo gramado central. À minha esquerda o playground com brinquedos de cores vistosas onde as crianças correm, brincam e escorregam à vista das suas mães, au pairs, babás. Arbustos de várias cores se superpõem, ombro sobre ombro, para olhar as pessoas que por alí caminham, postes baixos de ferro fundido, pintados de verde escuro me orientam; várias árvores no caminho, são acacias, essas eu reconheço, e só, quase nenhuma outra reconheço por seu nome. Sei que por detrás do playground tem um ginko biloba. O gramado é bem cuidado, com flores e pessoas plantados no chão por todos os lados. Na sombra das árvores o ar mais úmido diminuí o pequeno desconforto da poeira fina que paira no ar. Corredores fazem seu jogging, algumas crianças vestidas de camisas de seleção de futebol jogam de bola sobre o gramado com seus pais – ou seríam avós? Sobre uma toalha um casal de jóvens namora. Ela, sentada, de camisa branca e jeans azul, cabelo com gel, ele com um óculos escuros enormes de lente marrom; falam algo um para o outro, dão risadas! Várias outras pessoas estão deitadas ao sol, peles brancas brancas, contrastando com os cabelos pintados de negro. Peles negras, já nem tão negras assim, muitas cores de chocolate. Um grupo de ciclistas com bicicletas de pneus largos passa por mim. Faz sol, faz calor, é uma sensação muito boa!

Logo passando pelas duas últimas linhas de plátanos enfileirados, olho para a esquerda enquanto vou me aproximando do gramado. Olho adiante, olho para cima: na minha frente um símbolo, um tótem, um marco, um gigante de 7.000 toneladas, um feito da engenharia da sua época, do engenho humano,, a Torre Eiffel. O homem muda a paisagem, o homem interfere na paisagem, o homem também faz a Sua criação. Continuo a caminhar como que magnetizado por ela, marrom, castanha, dourada. Talvez na verdade seduzido pela sua cor “bege Torre Eiffel” ou cor de chocolate ao leite, uhmmmm, o que logo faz com que a Torre se torne um objeto muito desejado!

Continuo a caminhar, passos rápidos, olhando em volta as pessoas, as luzes e as sombras, as flores vermelhas, amarelas, brancas e o sol que bate nelas. Me aproximo de uma avenida que se alarga para abrigar uma pequena bacia com suas fontes no seu centro, aos pés da Torre. A artéria se dilata para dar espaço às limousines brancas que despejam das suas entranhas de baleia metálica os japoneses que se alimentam das suas primas marinhas lá do Mar do Japão. Japoneses e japonesas de carinhas risonhas e pés doloridos de enfrentar a maratona casamenteira à qual se propuseram, viajando de Narita à Charles de Gaulle por quase 14 horas e chegando 5 horas depois, ainda para o jantar de sexta, antes de casar-se no sábado de manhã e fazer, em uma só vez e em série todas as fotos do album de casamento nos principais pontos turísticos da cidade, fotógrafos esperando em cada ponto da cidade, isso tudo antes de embarcar novamente para as vinte horas de diferença de fuso horário e retomar ao trabalho na segunda-feira de manhã... ufa! Sem pausa, no-stop, sem segunda mirada, e lá se vão os japoneses novamente para dentro das suas baleias metálicas à percorrer Paris... Me pergunto se é um casamento saído de uma igreja ou de uma afluente revista de moda e estilo, não sei responder...



Atravesso a rua, faz calor, o ar é seco. Automóveis passam, ônibus com turistas em duas camadas, que já vêm logo cedo tirar suas fotos. Passo por debaixo da Torre e, no meu caminho em direção ao rio mais adiante, vou furando as filas que serpenteiam por debaixo da Torre como braços de um polvo cuja cabeça é a própria Torre e sua jaula delimitada pelas suas quatro largas patas cor-de-chocolate enfiadas na terra. Reconheço os Italianos, os Americanos, os Japoneses e suas máquinas fotográficas, claro, os Espanhois, os (poucos) Franceses, um falante grupo de Brasileiros junto a um de Argentinos que vestem a camisa da sua seleção. Um grupo passa falando Árabe ao meu lado. Um grupo de crianças romenas vestidas em trajes típicos atravessa a passarela. Atravesso a barreira de turistas e suas máquinas fotográficas, tomo cuidado para não atrapalhar suas poses, dou sorrisos e tento ser simpático enquanto vou atravessando a massa de gente que se perfila diante de mim como um formigueiro humano. Chego finalmente ao outro lado da jaula, abro a porta inexistente e saio, fecho e deixo a turba para trás...

Aguardo o sinal aberto para mim e atravesso a avenida enquanto vou ouvindo à minha esquerda o ruído dos pneus que diminuem de velocidade sobre os pequenos paralelepípedos de granito, quadrados. Atravesso a rua, o sol brilha. Chego do outro lado da avenida, na cabeceira da ponte. Do lado de lá a colina e o Trocadero com suas escadas, fontes e rampas. A pedra de cor amarelada, creme e ferrugem alivia o brilho da luz do dia. Sigo caminhando não sem antes diminuir o passo e virar para trás para admirar ainda mais uma vez a beleza dessa Torre que, quanto mais vejo mais me enamoro della, como diz a letra de uma salsa que conheço. Olho o rio abaixo, o Sena com suas curvas, e não posso deixar de me remeter às memórias de quando eram as curvas que um outro Senna fazia. Mas assim é a vida e oxalá deixemos o palco no nosso melhor papel! Melhor sempre fazer falta do que partir com a sensação de já ir tarde...

Saio das minhas divagações e volto a me concentrar no caminho. Na minha frente mais e mais pessoas chegam, são Chineses, Coreanos, Chilenos, Mexicanos. São Ganeses, Guiné-Bissaunianos, Jordanianos, Koreanos, Australianos, Porto-Riquenhos, Mexicanos, Venezuelanos, Ingleses, Holandeses. São turistas, são trabalhadores, são formais, informais, estão à passeio, estão à trabalho existem, não existem.

Mais adiante um vendedor ganha sua vida na selva de pedra oferecendo seus souvenirs: Torres que piscam luzes, fazem barulho, de plástico, LED, neon, chaveiros de plástico, magnetos, enquanto que à apenas poucos metros dalí valiosissimas obras primitivas Africanas aguardam mais alguns dias para serem expostas no novo museu do Quai Branly ou Museu de Artes Primitivas. O mercado de arte de arte primitiva Africana explode na sua capital, Paris, ou pelo menos assim diz a mídia...

Enquanto atravesso o Sena e cruzo a cidade de mais de dois mil anos de estória de civilizações que por aqui vivem e viveram, me dou conta de que os franceses talvez tenham realmente razão: estou na verdade no umbigo do mundo contemporâneo! Das grandes cidades da civilização contemporânea é Paris a que por mais tempo restou relevante ao mundo ocidental, apenas rivalizando com Roma (e o Vaticano) ao longo dos séculos dominaram o poder religioso no Ocidente. O carrosel do mundo, Paris, o Carrefour de Civilizações, como sempre foi e como resta agora, talvez velha dama mostrando as marcas do tempo para a mais profunda decepção dos franceses que ainda consideram o umbigo a parte mais importante do organismo durante toda uma existência!

Enquanto subo as escadarias do neo-clássico conjunto do Trocadero em direção ao prédio do Palácio de Chaillot, olho para o Museu do Homem que, encarapitado do alto da sua colina também admira a Torre. Enquanto subo as rampas e escadarías, vou pensando o quão eclético e diferenciado é o Ser Humano e como é complexa e variada a nossa Civilização...

Para entender "civilização" é necessário, ao mesmo tempo, compreender "o ser humano". O maior predador e o mais hedonista, o mais engenhoso, o mais capaz, o mais inquisitor, o mais complexo e o mais brilhante ser vivo que habita nosso planeta e, ao mesmo tempo, o de maior capacidade destruidora. O Ser Humano (human being), ou Ser Humano (being human) afinal.

Musée du l'Homme... pois é para lá que eu vou, enquanto conto os dias para a abertura do Quai Branly!